sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Adicional de insalubridade OU de periculosidade, ao menos por enquanto



Caro aluno/leitor,

A questão que abordarei hoje é, em minha opinião, uma das mais absurdas de todo o Direito do Trabalho no Brasil: a impossibilidade de percepção cumulada dos adicionais de insalubridade e de periculosidade pelo empregado, ainda que a atividade desenvolvida seja, concomitantemente, insalubre e perigosa. 

Tal entendimento decorre de interpretação dada ao art. §2º do art. 193 da CLT. Vejamos o texto legal: 

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;      
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.      
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.
§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. (grifos meus)
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo.   
§ 4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.

A partir da redação do supramencionado §2º, sempre se entendeu, de forma majoritária, que, sendo a atividade insalubre e perigosa, deve o empregado optar por um dos adicionais, ou seja, não tem direito a receber ambos simultaneamente. Neste sentido, a jurisprudência amplamente majoritária, da qual se podem mencionar, a título de exemplo, os seguintes arestos recentes:

RECURSO DE REVISTA. 1. ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. PAGAMENTO NÃO CUMULATÓRIO. OPÇÃO POR UM DOS ADICIONAIS. Ressalvado o entendimento do Relator, o fato é que, segundo a jurisprudência dominante nesta Corte, é válida a regra do art. 193, §2º, da CLT, que dispõe sobre a não cumulação entre os adicionais de periculosidade e de insalubridade, cabendo a opção, pelo empregado, entre os dois adicionais. Assim, se o obreiro já percebia o adicional de insalubridade, porém entende que a percepção do adicional de periculosidade lhe será mais vantajosa, pode requerê-lo, ou o contrário. O recebimento daquele adicional não é óbice para o acolhimento do pedido de pagamento deste, na medida em que a lei veda apenas a percepção cumulativa de ambos os adicionais. Todavia, nessa situação, a condenação deve estar limitada ao pagamento de diferenças entre um e outro adicional. Para o Relator, caberia o pagamento das duas verbas efetivamente diferenciadas (adicional de periculosidade e o de insalubridade), à luz do art. 7º, XXIII, da CF, e do art. 11-b da Convenção 155 da OIT, por se tratar de fatores e, principalmente, de verbas/parcelas manifestamente diferentes, não havendo bis in idem. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido no tema. (...) (TST, 3ª Turma, RR-1643-07.2012.5.04.0205, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19/09/2014.)

(...) RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMANTE. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. O § 2.º do art. 193 da CLT veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido. (TST, 4ª Turma, RR-102-79.2012.5.04.0029, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 12/09/2014.)

(...) CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE Nos termos da jurisprudência pacífica do Eg. TST, não há falar em pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade. O artigo 193, § 2º, da CLT deixa claro que o empregado pode optar pelo adicional que porventura lhe seja devido. Precedentes. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST, 8ª Turma, RR-99-87.2012.5.04.0009, Rel. Des. Convocado: João Pedro Silvestrin, DEJT 19/09/2014.)

A melhor doutrina, todavia, embora venha reconhecendo a supremacia da mencionada interpretação, não deixa de criticá-la, a meu ver com total razão. Neste sentido, Gustavo Filipe Barbosa Garcia adverte que 

“(...) como o art. 193, §2º, da CLT assegura o direito do empregado de optar entre o adicional de periculosidade e o adicional de insalubridade, tende a prevalecer o entendimento de que ele não faz jus ao recebimento de ambos os adicionais ao mesmo tempo, entendimento este que, no entanto, merece fundada crítica, pois, se o empregado está exposto tanto ao agente insalubre como também à periculosidade, nada mais justo e coerente do que receber ambos os adicionais (art. 7º, inciso XXIII, da CF/1988), uma vez que os fatos geradores são distintos e autônomos. Além disso, a restrição a apenas um dos adicionais acaba desestimulando que a insalubridade e a periculosidade sejam eliminadas e neutralizadas, o que estaria em desacordo com o art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988”[1] (grifos no original). 

Em posição semelhante, Homero Batista Mateus da Silva pondera: 

“Se o ambiente era efetivamente insalubre, porque ruidoso e úmido, por exemplo, e perigoso, porque estocava pólvora, por que razão jurídica ou científica o empregado deve ser contemplado apenas com um dos dois adicionais? Por que a proteção não abrange os dois simultaneamente?

Ora, as medidas de proteção não são optáveis pelo empregador, devendo atuar simultaneamente no fornecimento dos protetores de ouvido e de pele e, também, buscar atenuar os riscos de uma explosão. O PCMSO e o PPRA também são cumuláveis na luta em prol de um ambiente equilibrado. A CIPA e o SESMT também devem se ocupar sincronicamente das causas de insalubridade e de periculosidade.

(...)

Todavia, até que seja revogado por legislação superveniente, o art. 193 tem sido entendido como uma obrigação alternativa, nos moldes da previsão da legislação civil. Em outras palavras, quando o art. 7º, XXIII, da Constituição Federal de 1988, mencionou que os adicionais seriam fixados ‘na forma da lei’, não deixou assegurado ao empregado que ele necessariamente auferiria todos os adicionais, nem qual seria o sistema de cálculo, razão pela qual se tolera até hoje que o adicional de penosidade simplesmente inexista e, ainda, que o adicional de insalubridade e o adicional de periculosidade não sejam cumuláveis”[2]

Hoje o Tribunal Superior do Trabalho noticiou decisão da 7ª Turma que pode ser histórica, no sentido da rediscussão da matéria. Transcrevo integralmente a notícia, dada a sua importância: 

“Um empregado da Amsted Maxion Fundição e Equipamentos Ferroviários S. A. vai receber acumuladamente os adicionais de insalubridade e periculosidade.  A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a argumentação de que o artigo 193, parágrafo 2º, da CLT prevê a opção pelo adicional mais favorável ao trabalhador e negou provimento ao recurso da empresa, sob o entendimento de que normas constitucionais e supralegais, hierarquicamente superiores à CLT, autorizam a cumulação dos adicionais.

De acordo com o relator do recurso, ministro Cláudio Brandão, a Constituição da República, no artigo 7º, inciso XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva quanto à cumulação, não recepcionando assim aquele dispositivo da CLT. Em sua avaliação, a acumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos e não se confundirem.
Segundo o ministro, a cumulação dos adicionais não implica pagamento em dobro, pois a insalubridade diz respeito à saúde do empregado quanto às condições nocivas do ambiente de trabalho, enquanto a periculosidade "traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger".

Normas internacionais 

O relator explicou que a opção prevista na CLT é inaplicável também devido à introdução no sistema jurídico brasileiro das Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), "que têm status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal", como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal. A Convenção 148 "consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho", e a 155 determina que sejam levados em conta os "riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes".

Tais convenções, afirmou o relator, superaram a regra prevista na CLT e na Norma Regulamentadora 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional quando o trabalhador estiver sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho. "Não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, parágrafo 2º, da CLT", assinalou.
A decisão foi unânime.

(Mário Correia/CF)



Ressalte-se que tal decisão é, por enquanto, isolada (no âmbito do TST, pois se encontram decisões neste sentido em alguns Tribunais Regionais do Trabalho), pelo que deve continuar prevalecendo, ao menos num futuro próximo, o entendimento tradicional. Para concursos, portanto, nada muda por enquanto, salvo em uma eventual questão discursiva, que permitiria ao candidato expor as duas correntes. De qualquer forma, vale a pena acompanhar os possíveis desdobramentos desta paradigmática decisão da 7ª Turma. 

Forte abraço e bons estudos! 

Ricardo Resende
facebook.com/ricoresende





[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 403.
[2] SILVA, Homero Batista Mateus da. Direito do Trabalho aplicado, vol. 3: segurança e medicina do trabalho, trabalho da mulher e do menor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 108.